Bolívia-Brasil: Trânsitos Migratórios e Culturais

Ano: 2018

O livro “Bolívia-Brasil: trânsitos migratórios e culturais” reúne estudos sobre a imigração boliviana para o Brasil e reflete a preocupação com a complexidade que envolve esses deslocamentos populacionais. Em comum, os textos apresentados identificam questões fundamentais como a instabilidade política e econômica dos países de origem dessa população, associada à miséria e às diferenças sociais. Esses fatores são fundamentais para promover a saída de grandes contingentes populacionais de seus países à procura de novos espaços para reconstruírem suas vidas.

Outros elementos se unem ao desejo de procurar melhores condições de vida, como a facilidade de ingresso nas universidades brasileiras proporcionada pelos acordos bilaterais, além da política do país de conceder empregos nas empresas mistas e governamentais aos técnicos especializados em petróleo e áreas afins, assim como nas grandes indústrias. Esses fatores têm atraído novas ondas migratórias formadas especialmente por jovens estudantes e profissionais liberais.

A singularidade deste livro pode ser creditada à aplicação de conceitos e significados precisos sobre questões complexas que envolvem a alteridade e construção de novas identidades nos novos espaços sociais. Estes estudos se destacam pela problemática analisada, que envolve questões fundamentais sobre o reconhecimento do grupo social pela sociedade brasileira ao se alocarem em outro espaço social. Não desejam ser tratados como invisíveis, como o outro. Eles são os personagens que anseiam por uma vida solidária junto à população local, para usufruírem da cidadania brasileira. Mas aquele reconhecimento tem sido dificultado pela indiferença dos governos, e, também, pela permanência de preconceitos e etnocentrismos que interferem na inserção dessa população na nova sociedade.

O texto Bolivianos longe da pacha: imigrantes no Rio de Janeiro, de Belmonte e Costa, aborda questões relativas à vida do imigrante. Assinalam a importância da trajetória de vida daqueles grupos que imigram, seus anseios e desejos. Segundo os autores, o imigrante leva consigo suas histórias, seu idioma materno, as cadências de sua língua, os sabores de sua infância, suas formas de se lavar, de se vestir, de se alimentar. Também assinalam questões pontuais sobre o reconhecimento desses imigrantes e como são vistos e percebidos. Essas indagações e respostas fazem parte desse estudo complexo e singular. Para eles, a condição do imigrante é desafiadora, chegando mesmo, com o tempo, a ter que enfrentar o desafio de não cair no extremo de se perder de suas origens e até de si mesmo.

Em Imigração e Globalização: a presença boliviana no Rio de Janeiro, Toribio Lemos e Dantas analisam a trajetória dessas correntes migratórias no Rio de Janeiro. Os autores discorrem sobre a situação da Bolívia e apontam a presença desse povo vizinho no Brasil desde o século XIX. A partir de meados do século XX, após a Guerra do Chaco e a Revolução Popular de 1952, as ondas migratórias se acentuaram. No Rio de Janeiro, a imigração boliviana teve características diferenciadas do restante do país, especialmente em São Paulo. Por esse motivo, os autores apresentam um estudo sucinto sobre as diversas etapas e formas diferenciadas de imigração para o Rio de Janeiro.

No texto Os movimentos populacionais Bolívia-Brasil pela fronteira sudeste do país, Schabib Hanny destaca o período de 1950 a 2012, quando a sociedade boliviana transitou por uma profunda transformação socioeconômica, política e cultural, cujo efeito espacial levou à redistribuição territorial de sua população e à modificação da estrutura demográfica do país, que passou de majoritariamente rural a majoritariamente urbana. Este processo também implicou na transformação das principais cidades, na configuração da atual rede urbana nacional e no despovoamento do espaço rural. Consequentemente, essa inusitada urbanização, que se inicia desde fins da década de 1950, não só resultou do crescimento demográfico vegetativo, mas também da migração rural.

Em Brasil e Bolívia no tempo presente: artimanhas do convívio humano em espaços transfronteiriços, Araújo analisa a área de fronteira onde acontecem o convívio humano e suas interfaces, tornando visíveis o trânsito e o intercâmbio socioeconômico e cultural entre as populações de ambos os países na linha divisória dos territórios nacionais. Destaca que, nas últimas três décadas, os meios de comunicação e as forças de segurança estaduais e federais, em geral, tratam as questões dessa espacialidade de fronteira incorporando o estigma de região de criminalidade e de ilicitudes e, portanto, concebendo a geofronteira como um lugar de vulnerabilidades que comporta o tráfico de drogas e armas, contrabando de mercadorias, roubo de veículos, refúgio de criminosos e abrigo de pessoas violentas.

A atual configuração das relações sociais contemporâneas exige cada vez mais uma educação integrada, multicultural, apoiada nos princípios da igualdade e da democracia, e este é o tema apresentado por Rodrigues em A educação na fronteira: o caso dos alunos bolivianos na rede pública e particular de Corumbá / MS. Em um momento em que os espaços se unem rompendo fronteiras, através da evolução dos meios de comunicação, evidencia-se a interdependência planetária, que busca globalizar as relações sociais, políticas e econômicas. No entanto, esbarra muitas vezes no aspecto cultural, pois no processo da globalização afloram as identidades culturais mais definidas, estruturadas e tradicionais.

Neste momento, a educação enfrenta grandes desafios diante de um mundo cada vez mais multicultural, no qual o dia-a-dia escolar é marcado pela forte heterogeneidade de seu público. O autor acentua que a manifestação dos processos globalizantes tem repercutido diretamente nos sistemas educacionais e destaca as migrações internacionais como um dos processos mais frequentes na globalização e que afetam o sistema educacional nacional.

Pela importância sublinhada nos textos apresentados, este livro, sem dúvida, enriquece a historiografia da imigração boliviana para o Brasil e contribui para ampliar os estudos sobre os novos cidadãos brasileiros, sobre representações do outro e construção de identidades culturais fora do solo pátrio.

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