Rebeliões americanas no século XVIII: Estudos de história comparada

Autor: Alexandre Belmonte

Ano: 2015

As rebeliões indígenas, escravas e populares ocorridas na segunda metade do século XVIII na América espanhola e portuguesa encontram-se na essência dos acontecimentos econômicos, políticos e sociais que deram, no início do século XIX, a tônica dos movimentos de independência. As rebeliões de Túpac Amaru II no Peru (1781), Túpac Katari na Bolívia (1781), a Inconfidência Baiana no Brasil (1796-1799), a luta independentista no Haiti – Revolta de São Domingos (1791-1804) – em que pese o fato de a historiografia lhes ter consagrado nomenclaturas diversas (rebelião, revolta, inconfidência, sublevação), permitem um olhar transversal pelo historiador, que as retiram de seus aparentes isolamentos para constituir um movimento mais amplo e revelador das contradições coloniais e metropolitanas.

Essas rebeliões constituem-se em intensos movimentos políticos e de milícias em que grupos de indivíduos (indígenas, sobretudo, mas também negros e criollos) decidiram não acatar a autoridade espanhola, portuguesa e francesa. Até mesmo em Goa, na Índia, a chamada Conjuração dos Pintos buscou tomar o poder da mão da coroa portuguesa, em 1787.

Em relação à América hispânica, as reformas fiscais levadas a cabo após a ascensão dos Bourbon à coroa espanhola produziram reflexos e consequências que extrapolaram os limites das Audiências. É nesse contexto de acirramento de dívidas, e de cobrança de impostos e reorganização da máquina administrativa colonial que várias rebeliões espalharam-se por todo o altiplano, desafiando o poder instituído e propondo uma subversão da ordem administrativa, política, econômica e cultural vigente. Antes das grandes rebeliões indígenas da década de 1780, no Paraguai chegou-se a cogitar a independência e a criação de um poder “republicano” em 1721.

Em Cochabamba, mestiços e indígenas lutam em 1730 por maior participação política. No vice-reino de Nova Granada, há revoltas em 1749 contra a atuação da Companhia de Caracas. Em Quito, em 1765, são os próprios criollos que se revoltam contra a alcabala, um imposto utilizado desde o século XI na Espanha muçulmana, incrementado pelos Bourbons ao longo do século XVIII. As taxas de alcabala já produziam inúmeros descontentamentos, dentre os quais, no final do século XVI, entre 1592-93, a Rebelião das Alcabalas na Audiência de Quito. As contradições coloniais também afetaram a negros (escravos e libertos) e criollos, gerando insatisfações e revoltas por toda a extensão da colônia. Rebeliões negras se espalham desde o Caribe, lideradas por Toussaint, fazendo sentir a influência de seus ideais até mesmo, segundo Manoel Bomfim, na Inconfidência Baiana, também chamada de Revolta dos Alfaiates.

Na colônia portuguesa surgiam líderes negros, como os alfaiates Manuel Faustino e João de Deus Nascimento. No final do século XVIII, dotadas de lideranças, as rebeliões – indígenas, negras, criollas ou mistas – expressam essas contradições e desafiam o poder do . É neste contexto que surgem tanto o pensamento independentista das elites, de profissionais liberais, artífices, jornalistas, religiosos, quanto as insatisfações populares representadas nas rebeliões.

Com um toque de messianismo, da cíclica espera pelo Inca, as insatisfações expressam-se em lutas que varrem os ayllus andinos entre 1780 e 1782. O entrelaçamento de fontes históricas dessas áreas coloniais e mesmo depois das independências, observadas na longa duração e submetidas a uma comparação em seus aspectos peculiares, produz uma narrativa desses acontecimentos sob uma nova ótica. Este projeto encontra sentido na identificação de pontos de aproximação dessas experiências que a historiografia tradicional tem visto como fragmentadas e isoladas, e tem como foco as rebeliões ocorridas no altiplano andino, observando as suas aproximações com casos semelhantes ocorridos nas províncias portuguesa e francesa.